domingo, 19 de maio de 2013

Chamada Local

Foi amor à primeira vista. Ao menos da parte dele. Joan se encantou com a estudante de expressão séria. Os olhos tinham algo diferente, que lhe dava uma expressão triste. Mas era muito bonita. Encontrava-a quase sempre no ponto de ônibus sempre por volta das seis e meia da tarde. Saía do escritório de contabilidade onde trabalhava, e ela da escola. E íam embora juntos.
Nunca se falaram, até porque Joan era muito tímido e o ônibus quase sempre saía cheio. Mas também nunca sentaram juntos. Para ele já estava bom poder só admirar aquela moreninha que estava sempre de rabo de cavalo. Cabelos pretos. Compridos. Joan fantasiava aqueles cabelos soltos, caindo sobre o rosto dele. Imaginava outras coisas também, já que ela era gostosinha. Coxas roliças.
Ah, eu nessas carnes… Joan suspirava.
E, Marcelle começou a reparar mais nele, talvez de tanto que ele olhava. Não sabia dizer o que era, mas alguma coisa chamou sua atenção. Desconfiava que devia ter uns trinta. Sem saber se deixaria ele se aproximar, ficava confusa pois tinha convicção de que se um dia viesse a se envolver com alguém tão mais velho, seria por ter perdido o interesse em garotos, moleques. Ou seja, alguém que tivesse mais experiência. Mas Joan tinha a cara dos moleques que estudavam com ela. Ao contrário dele, ela ao menos já sabia o seu nome. E isso era outra coisa que a ligava a ele. A primeira vez que ouviu o nome, achou super estranho. Joan?
Naquela sexta-feira, Joan entrou na kombi que fazia lotação e sentou no banco do fundo. E como sempre, abriu seu livro. Todo dia era assim. O carro sempre parando em alguns pontos. Sempre entrando um, saindo outro. Joan seguía alheio a tudo. Até que numa determinada altura, quando a porta abriu para algumas pessoas entrarem, algo fez com que ele parasse a leitura. Ficou sem ação quando a viu entrando. Ela também o viu, e entrou sorrindo. E foi sentar justo no banco do fundo. E foi sentar justo do lado dele…
– Oi…
– Ehhrrr, oi.
Joan passava de uma folha à outra do livro. Não conseguiu ler mais nada. E também não conseguiu ir além do oi.
Fala alguma coisa logo idiota… Ele começou a suar.
Caramba, ele não vai falar nada? Ela começou a desistir. Tentou dar uma última chance, olhando pro livro dançando nas mãos dele:
– Que livro é esse?
– Cem anos de solidão. Já leu? – Ele vira a capa para ela.
– Já. 2 vezes. Adorei. Tá gostando?
– Muito. Esse autor é ótimo, você… – Joan é interrompido com o celular dela tocando.
– Oi Lívia… hein? Brigaram? Calma Lívia. Não chora porque eu não estou entendendo nada… Bobagem, já já vocês voltam…Eu sei mas você sabe como ele é…
Joan tentou voltar às páginas de seu livro, mas o pensamento estava disperso. Tentava pensar em algo, tomar coragem e convidá-la para um chopp, um cinema. Mas a conversa não parava. Além do que, ele não tinha um centavo sobrando pra tais extravagâncias. Fim-de-mês. Salário rídiculo.
Acabou achando até melhor. Marcelle se despediu da amiga e desligou o celular. Pediu para o motorista parar no próximo ponto. Achou que as coisas não íam muito bem, além do que tinha que descer logo. Como só haviam os dois no banco de trás, resolveu arriscar e “distraídamente” deixou o celular cair no banco e antes de saltar da kombi se despediu dele:
– Tchau.
– Ehrr, tchau…
Quando Joan viu o telefone nem deu tempo de qualquer reação, já que o motorista saiu arrancando pra escapar do sinal, que já ía fechar. Ele guardou o celular no bolso e seus olhos brilharam. Sentiu que era uma oportunidade única e agradeceu aos céus pelo acontecido.
Após o almoço, saiu para caminhar e ver os jornais e revistas na banca próxima de onde trabalhava. Ao chegar lá encontra um velho conhecido.
– Cabeça! Que bom te encontrar. Seguinte, tô precisando de um favorzão teu.
– Fala doido.
– Seguinte… – Joan pediu para seu amigo esperar enquanto atendia o telefone – Alô.
– Errr oi. Você achou meu celular no banco da kombi, hoje de manhã?
– . . .
– Alô, não lembra de mim hoje de manhã na kombi de Benfica?
– Seu celular? Benfica? Gata, eu moro em Copacabana e comprei esse telefone há mais de dois meses.
Você deve ter ligado pro número errado… – Joan desligou o telefone.
– Seguinte ô cabeça, me dá cento e cinquenta ae no aparelho.
O sujeito pega o telefone, examina, aperta algumas teclas e diz:
– Cinquenta.
– Vai à merda. Pô é um Sony Erycsson.
– Quem se importa com o aparelho? É roubado mesmo…
– Roubado não! Achado.
– Tá bom. Setenta e tamos conversados.
– Fechado.
. . .
Terminado o expediente, Joan segue seu caminho normal até o ponto do ônibus. Ele sempre volta pra casa de ônibus. Primeiro para poder ler seu livro, segundo pra tentar a sorte de ver Marcelle. E ela está lá, com uma expressão aflita que se transforma em alívio ao vê-lo.
– Oi.
– Oi.
– Escuta, eu acho que deixei meu celular no banco da kombi. Diz que você achou, por favor…
Joan faz uma cara de que não faz idéia do que ela está falando.
- Nossa, te juro que dava tudo pra ter encontrado, só pra não te ver assim – Ele faz uma cara pensativa – Hummm, sabe que entrou um sujeito, um ponto antes do meu, e praticamente se jogou no banco? Eu achei estranho mas nem me toquei. O safado deve ter sentado em cima do aparelho…
– Filho da puta! Ai desculpa, mas é que eu estou com muita raiva.
– Imagino. Mas olha só, eu nem sei o seu nome.
– É Marcelle.
– Joan. Pôxa, não dá nem dizer que é um prazer por causa disso que aconteceu contigo… Mas olha só, não vai resolver seu problemas mas, poderia ajudar se a a gente fosse assistir ao novo filme do Harry Porter amanhã? E não se preocupe porque eu vou me comportar. Prometo…
Ela olha pra ele com um ar de interrogação. Com a estória toda do telefone ele acabou pegando Marcelle desprevinida.
– É, até que pode ser bom…

® Postado no Blog antigo em 09.06.2004

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