domingo, 31 de março de 2013

O Avesso e O Inverso

Érica era uma garota simples. 19 anos, acabando o segundo grau e sem muitos planos pro futuro. Sua diversão era um barzinho com os amigos no fim de semana e amassos no portão. Até conhecer André. Não chegava a ser um milionário, mas levava uma vida bem confortável. Aquela tarde no shopping. Aquela cruzada de olhar. Os olhos verdes de Érica pareciam ter um imã que prendeu os dele e o puxou até ela. E o jeito dele acariciar as mãos também a prendera. Sentía algo estranho, vendo ele alisar as costas da mão e sentindo como se fosse em sua pele. Suas pernas. Seu pescoço. Seu colo. Sacudiu a cabeça pra sair do transe e quando viu, ele não estava mais lá. Levantou, assustada, e percorreu a área da praça de alimentação com seus olhos à procura do estranho. Quase gritou de susto ao se virar e dar de cara com ele.
– Oi. Desculpe mas eu precisava ver de perto se seus olhos eram de verdade ou se eram lentes…
– Os olhos são originais. Já essa sua cantada…
Pronto. Ultrapassado o primeiro obstáculo, passaram praticamente toda a tarde conversando. Érica nem viu quando as amigas foram embora.
Dois meses depois, ninguém acreditava que os dois ainda estivessem juntos. Ainda mais que estivessem namorando. Sério. A mudança foi brusca. Dos dois lados.
André apareceu um dia na empresa do pai e disse que queria começar a trabalhar lá. Não chegava mais em casa às três da manhã, carregado bêbado por uma ou duas garotas estranhas, que geralmente passavam a noite lá.
Érica mudou o jeito de falar, de vestir. Com o tempo, se distanciou de Fernanda, sua melhor amiga, com quem antes ficava horas no telefone sobre roupas, novelas, garotos. Parecia outra pessoa. Sua vida agora era festas, passeios em Angra. Passou a acreditar que havia nascido pra aquilo, só não sabia, até encontrar André.
Seis meses depois, ele voltam a um restaurante que ela adorou. O clima entre os dois não poderia ser melhor. O jantar estava ótimo. A melhor surpresa foi o vinho, que André fez questão de deixar que ela escolhesse. E achou que não teria hora melhor que aquela:
– Érica… Há oito meses atrás esse olhos me enfeitiçaram, lembra?
Ela ficou encabulada e encolheu a cabeça entre os ombros.
– Você mudou completamente a minha vida.
– E você a minha.
– Por 28 anos eu imaginei… nunca me vi um cara sério, chegando em casa depois do trabalho, com alguém me esperando… construir uma família – André retira a pequena caixa de veludo do bolso e leva até bem próximo dela, abrindo-a – E você com esse jeito simples, me ensinou, me fez querer isso. Eu quero pedir que se case comigo!

. . .

Érica repousou o copo sobre a mesa. Juntou as mãos, entrelaçando os dedos e apoiou o queixo. Graciosamente.
– Desculpa André, mas eu não posso aceitar.
Ele franzi a testa, aturdido, perdido. Nunca imaginou uma resposta assim. Não dela. Fecha a caixa e se endireita na cadeira.
– Mas por quê?
– Porque você também mudou a minha vida. Me mostrou coisas que eu nem imaginava existissem. Festas, lugares, pessoas. Tem toda uma vida lá fora, e você quer se prender? Quer me prender? Imagina, filhos, casa… Eu gosto muito de você, mas tenho que aproveitar o agora…
– Você acha que eu vou sentar e esperar você?
– Não tenho como e nem posso pedir isso. Infelizmente, não vejo como continuar com tudo desse jeito.
André chama o maitre e lhe entrega o cartão, pedindo para fechar logo a conta.
– Mas acho que estamos terminando e fico até curioso pra saber como você vai conseguir continuar curtindo tudo isso.
– Não se preocupe.
Do céu ao chão. Ele se levantou, retirou algumas notas da carteira e colocou sobre a mesa.
– Pro táxi. Adeus.
Dois meses depois, após toda a família ficar assustada, achando até que ele faría alguma besteira por causa daquela decepção, André dava sinais de recuperação. Mas antes, cumpriu todo o percurso que os abandonados e traídos fazem: bebedeira – mas agora voltava pra casa sozinho. Sua mãe até sentiu falta das “vadias” – e brigas. Não sentia interesse em nenhuma outra garota. Ajudou bastante o fato de Érica ter saído de casa. Simplesmente sumiu. Ninguém da casa dava qualquer tipo de informação de seu paradeiro a André. E ele rodou a cidade por vários dias. Por várias noites.
Dae que como em toda estória, a vida seguiu seu curso e tudo foi se ajeitando. Quase tudo. André estava em São Paulo numa sexta-feira, pra fechar um negócio. Aproveitou pra passar o fim de semana. No sábado à tarde, ligou para um amigo que não vía há tempos. Marcaram uma balada para a noite.
Se encontraram num barzinho e seguiram pra festa. Lançamento de livro, como é que eu me meti nisso? Chegando ao local, os dois circulam, folheiam o livro, mas André não está nem um pouco interessado em leitura. Até que seu amigo fala:
– André, é o seguinte, isso aqui tá horrível. Vamos tentar descolar alguma?
– Quê fraco?! Olha aquele grupo ali. Não vi defeito em nenhuma das quatro.
– Mas era isso que eu ía te falar! Não estou nada a fim de ficar caçando mulher aqui, ali. Me garanto e levo logo uma ou duas comigo.
– Tá bom. Em que parte da história você virou o Don Juan?
– Nada. São garotas de programa. E que programa meu amigo.
– Não sei não. Pagar pra transar…
– Mas é isso. Melhor do que ficar que nem maluco caçando. Quando se consegue alguma coisa e a gente chega ao que interessa, elas vêm com estórinha de Ai ae não. Nanão, anal é muito porco. Nojento. Chupar você? Nunquinha, tenho o maior nojo. Então amigo, com essas dae é garantido. Não tem frescura. É o seguinte, ví que você ficou de olho na ruivinha. Eu ía até pegar ela de novo, mas tenho que fazer as honras da casa. Posso chamá-la?
– Só pela bunda, tanto faz. Nem vi que cara ela tem…
– Pode acreditar, além de linda, ela é do tipo que “gosta do que faz”. Adriani, chega aqui um minuto.
André fica sem ar, o chão parece se abrir sob seus pés, como há dois meses atrás. Adriani vem em sua direção, linda, cabelo vermelho, um vestido justo mostrando todas as suas curvas. Ela se aproxima do amigo de André e lhe dá um beijo estalado na boca.
– Marcel, há quanto tempo. E veja só hein André, você por aqui…
– Érica… O quê… Como… Adriani??
– Então vocês dois já se conhecem? Caramba. Seguinte – ele se aproxima do ouvido de André e sussurra – Se você já conhece, sabe que o serviço é completo! Então, boa noite pra vocês que eu vou correr atrás do prejuízo.
Ele abraça uma morena 10 centímetros maior que ele e sai.
André chega na calçada e espera Érica. Quando ela chega os dois vão até o carro. Tanta coisa pra falar, perguntar, saber, ouvir a voz dela. Quando chegam no carro, ela espera André abrir a porta e entra. Ele dá a volta e entra.
– Porra, você está usando o nome da minha mãe pra fazer papel de puta…
– Ah desculpa, mas é que eu achei muito bonitinho. Vamos logo embora. Não sei se o Marcel te falou, mas são trezentas pratas, hein?!
– Porra e você ainda vai cobrar trezentos reais pra transar comigo?
– Está bem! Ok! Em consideração ao passado, vou te dar um desconto…

® Postado no Blog antigo em 13.03.2004

Nenhum comentário:

Postar um comentário