domingo, 31 de março de 2013

Olhando bem, nem é tão alto

Aline completou 17 anos. Ligou o som e colocou seu cd preferido. No volume máximo. Não precisava ver ou ouvir sua mãe pra saber que ela estava na cozinha, praguejando contra aquele tipo de música. Ainda mais naquela altura. E que, em cinco minutos estaria esmurrando a porta do quarto, gritando para que ela abaixasse aquele maldito rádio. Não é rádio sua burra. É cd. Era o que Aline sempre respondia. Mas hoje não. Hoje ela pensava em não estar ali para dar a mesma resposta malcriada de sempre.
Abriu a janela e sentiu o vento entrar. Nem estava tão forte. Alisando seus cabelos, envolvendo-a. Parecia beijá-la. Olhou as pessoas pequeninas, transitando apressadamente lá embaixo. Não queria mais pensar em nada. Não queria lembrar de ninguém. Queria aqueles últimos minutos sozinha. De tudo. De todos. Só ela. Ela e o vento. Subiu na janela e segurou na barra de alumínio acima de sua cabeça, ficando em pé. Não podia se demorar. Não queria espetáculo. Já havia pensado nesse tipo de coisa há algum tempo. De todas as formas possíveis. E achou que essa seria a que lhe daria uma maior e última emoção. Todas as outras pareceram bobas e rápidas demais. Queria sentir o estômago apertando até o último instante.
Foda é que são só quatorze andares.
Fechou os olhos. Abriu os braços. Jogou o corpo no ar. O vento agora parecia puxá-la pra frente. Pra baixo. Tentou respirar mas não conseguiu. Sentía a pressão do ar em todo seu corpo. Por poucos segundos sentiu a tal sensação de liberdade que tanto procurava.
Até o barulho e o impacto do seu corpo atingindo a calçada dizer que o passeio havia terminado.
Chegou a ouvir cada osso se partindo. Não conseguía mover a cabeça, mas virando os olhos pôde ver seu sangue escorrendo e enchendo a calçada. Não viu nada daquilo de “a vida passar toda diante dos olhos”. Nem mesmo agora, enquanto tentava respirar e não conseguía.
Fechou os olhos e parecia esboçar um sorriso. E um último pensamento: A única merda de morrer é não poder pular de novo…

® Publicado no Blog antigo em 27.02.2004

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